Autor: Nilton Monte*
Ser
policial, nos dias atuais, é quase uma maldição, pois são alvos de incontáveis
ataques, mesmo estando em suas folgas ou aposentados, pelo simples fato de
serem ou terem sido policiais. Logo, não seria racional a simples proibição de porte
arma aos mesmos, só pelo fato de terem se aposentado.
Contudo,
esta sendo amplamente divulgada, através da Internet e das redes sociais,
matéria com o título “STJ decide:
policiais aposentados não têm direito a portar armas de fogo”, com clara distorção do que realmente
decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça em acórdão publicado no Diário
de Justiça do dia 15.12.2014..
Para
discorrer sobre o assunto, precisamos entender que a regra, sob a égide do
Estatuto do Desarmamento, Lei n.º 10.826/03, é o da proibição de porte de arma
em todo o território nacional.
No entanto, há exceções elencadas pelo próprio Estatuto com referência à atividade de
alguns servidores públicos, dentre os quais os integrantes das Forças Armadas e
dos de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição
Federal, nos termos dos incisos I e II, do artigo 6.º do Estatuto, ou seja, integrantes
das polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal, polícias civis e
militares.
Além
do mais, o Estatuto em seu artigo 10, autoriza à Polícia Federal conceder porte
de arma de fogo, excepcionalmente, a
qualquer pessoa que demonstre a sua efetiva necessidade por exercício de
atividade profissional de risco ou de ameaça à integridade física, acrescidas
da comprovação de idoneidade, apresentação de certidões negativas de antecedentes
criminais e de que não esta respondendo a inquérito policial ou a processo
criminal, comprovando ocupação lícita, residência certa, capacidade técnica e
de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.
O Decreto
5123/04, Regulamentando o Estatuto do Desarmamento, em seu art. 33, estabelece que
têm deferido o Porte de Arma de Fogo, portanto implícito à função e
independentemente de qualquer autorização, os militares das Forças Armadas, os
policiais federais e estaduais e do Distrito Federal, civis e militares, os
Corpos de Bombeiros Militares, bem como aos policiais da Câmara dos Deputados e
do Senado Federal em razão do desempenho de suas
Art. 33.
O Porte de Arma de Fogo é deferido aos militares das Forças Armadas, aos
policiais federais e estaduais e do Distrito Federal, civis e militares, aos
Corpos de Bombeiros Militares, bem como aos policiais da Câmara dos Deputados e
do Senado Federal em razão do desempenho de suas funções institucionais.
Assim,
policiais possuem porte de arma funcional que os permite estar com a arma de
fogo, seja da corporação ou particular registrada em seu nome, sem a
necessidade de autorização ou documento autorizando o referido porte. É neste
particular que se insere a decisão do Egrégio superior Tribunal de Justiça, no
julgado em comento, à evidência do que se lê na ementa do acórdão,
disponibilizado no informativo de jurisprudência do STJ[1]::
DIREITO PENAL. PORTE DE ARMA DE FOGO POR
POLICIAL CIVIL APOSENTADO.
O porte de arma de fogo a que têm direito
os policiais civis (arts. 6º da Lei 10.826/2003 e 33 do Decreto 5.123/2014) não
se estende aos policiais aposentados. Isso porque, de acordo com o art. 33 do
Decreto 5.123/2004, que regulamentou o art. 6º da Lei 10.826/2003, o porte de
arma de fogo está condicionado ao efetivo exercício das funções institucionais
por parte dos policiais, motivo pelo qual não se estende aos aposentados.
Precedente citado: RMS 23.971-MT, Primeira Turma, DJe 16/4/2008. HC 267.058-SP,
Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/12/2014, DJe 15/12/2014.
Nesta
esteira, decidiu o STJ que o policial, estando aposentado e não mais exercendo
funções institucionais, não goza do direito de porte de arma funcional,
concedido pelo artigo 33 do Decreto 5123/04, posto que não mais está sujeito às
determinações das entidades policiais a que estava subordinado
Na
mesma linha, o Tribunal de Justiça de São Paulo, já decidiu que o Policial
aposentado necessita de autorização para porte de arma como qualquer outro
cidadão.
Porte ilegal de arma - Policial
reformado - Documento que prova apenas o registro da posse da arma e não a
autorização para portá-la. Porte ilegal de arma - Policial aposentado - Porte
de arma que necessita de autorização como qualquer outro cidadão - Apelação do
réu não provida. .
(TJ-SP - ACR: 990081097451 SP , Relator:
Pedro Menin, Data de Julgamento: 27/01/2009, 16ª Câmara de Direito Criminal,
Data de Publicação: 12/02/2009)
Neste
diapasão, depreende-se que a decisão do STJ é no sentido de que policiais
aposentados não têm mais o porte automático, estabelecido no art. 33, do
Decreto n. 5123/04, e não
que não tenha direito ao porte de arma.
Outrossim,
cabe salientar que o julgamento refere-se a caso de policial civil aposentado, do
Estado do Rio Grande do Sul, que teria sido surpreendido no Estado de São Paulo
portando duas armas, sendo um revólver pertencente à Polícia Civil daquele
Estado e sem qualquer documento expedido pela Instituição que o autorizasse a
portá-la fora do Estado de origem, mais uma pistola de uso permitido registrada
em nome de outra pessoa, portanto um caso emblemático.
O
julgamento objeto da matéria adotou como precedente o julgamento de recurso
ordinário em mandado de segurança impetrado pelo Sindicato dos Delegados de
Polícia do Estado de Mato Grosso - Sindepo/MT visando o reconhecimento de que delegados
de polícia aposentados possuiriam direito ao porte de armas e que foi julgado
em 01.04.2008, tendo decidido que a prerrogativa constante do artigo 33, do
Decreto 5123/04, somente é deferida aos
profissionais que estejam no exercício de suas funções institucionais.
Ementa
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA. DELEGADOS DE POLÍCIA APOSENTADOS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO
A PORTE DE ARMAS. VEDAÇÃO EXPRESSA PELO ARTIGO 33 DO DECRETO FEDERAL
5.123/2004, QUE REGULAMENTA O ARTIGO 6º DA LEI 10.826/03, ESTATUTO DO
DESARMAMENTO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO-CARACTERIZADO.
1. Trata-se de recurso ordinário em
mandado de segurança ajuizado pelo Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado
de Mato Grosso - Sindepo/MT em impugnação a acórdão que, amparado na Lei
10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), decidiu que os delegados de polícia
aposentados não possuem direito ao porte de armas, prerrogativa somente
deferida aos profissionais que estejam no exercício de suas funções
institucionais.
2. Contudo, a pretensão é de manifesto
descabimento, porquanto o artigo 33 do Decreto Federal 5.123/2004, que
regulamenta o artigo 6º da Lei 10.826/03, Estatuto do Desarmamento, é expresso
ao condicionar o porte de arma de fogo aos policiais civis (dentre outros
profissionais) ao efetivo exercício de suas funções institucionais, o que não
se verifica em relação aos profissionais policiais que estejam já aposentados.
Confira-se o precitado dispositivo: Decreto 5.123/2004 - Art. 33. O Porte de
Arma de Fogo é deferido aos militares das Forças Armadas, aos policiais
federais e estaduais e do Distrito Federal, civis e militares, aos Corpos de Bombeiros
Militares, bem como aos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal
em razão do desempenho de suas funções institucionais.
3. Ao que se constata, portanto, os
argumentos recursais não possuem o condão de elidir o acórdão atacado, que deve
ser mantido pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.
4. Recurso ordinário em mandado de
segurança não-provido.
(Superior Tribunal de Jusitça. Primeira
Turma. RMS 23971 MT 2007/0090303-5. Relator Ministro José Delgado. Julgamento: 01/04/2008.
Publicação: DJ 16.04.2008 p. 1)
Aliás,
o Decreto n.º 5123/04, Regulamento do Estatuto do Desarmamento, dá tratamento
diferenciado à concessão de autorização para porte de arma a policiais
aposentados, no artigo 37, exigindo testes de avaliação de aptidão psicológica
a cada três anos, atestado pelas instituições, órgãos e corporações a que estão
vinculados, portanto excluindo a exigência de porte pela Polícia Federal..
Art. 37.
Os integrantes das Forças Armadas e os servidores dos órgãos,
instituições e corporações mencionados nos incisos II, V, VI e VII do caput do
art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, transferidos para a reserva remunerada ou
aposentados, para conservarem a autorização de porte de arma de fogo de sua
propriedade deverão submeter-se, a cada três anos, aos testes de avaliação da
aptidão psicológica a que faz menção o inciso III do caput art. 4º da Lei nº
10.826, de 2003. (Redação dada pelo Decreto nº 6.146, de 2007.
§ 1.º
O cumprimento destes requisitos será atestado pelas instituições, órgãos
e corporações de vinculação.
§ 2.º
Não se aplicam aos integrantes da reserva não remunerada das Forças
Armadas e Auxiliares, as prerrogativas mencionadas no caput.
Portanto,
com a devida vênia, conclui-se que os policias aposentados, podem ter porte de
arma emitido pela corporação policial a que estão vinculados, responsável pela
constatação do cumprimento dos requisitos estabelecidos para a sua concessão,
conforme estabelece o artigo 37, caput c.c. seu parágrafo 1.º do Decreto
5123/04, e artigo 6.º, caput, inc II, c.c. seus parágrafos 1.º e 4.º, da Lei
10.826/03.
*Nilton
Monte é Advogado, especialista em Direito Público pela Escola Paulista de
Direito, pós-graduado em Direito Tributário, Mestre em Ciências Policiais de
Segurança e Ordem Pública.
[1]
Superior Tribunal de Justiça. Informativo de Jurisprudência. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/
acessado em 03Mar2015 às 17h00.
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