"Chacal" na Polícia Militar

O Chacal a que nos referimos, neste artigo, é o apelido dado ao Curso de Habilitação ao Quadro de Oficiais (CH QAO), o qual possui duração de um ano letivo na Polícia Militar do Estado de São Paulo, à semelhança de outros Estados. Em razão da simplificação da sonorização da sigla CHQAO, tornou-se habitual chamar o curso e os que a ele freqüentaram de "Chacal". Os Oficiais do "Chacal" (CH QAO, CHQAO ou CHQAOPM), são originados da tropa, o que os torna qualificados e preparados, pois ingressaram na Corporação como Soldados, após interstício, prestaram concurso para Cabo, depois para Sargento, vivenciando a pratica do serviço e, só então, puderam prestar o Concurso para o CH QAO e, após mais um ano de curso de habilitação, tornaram-se Oficiais de Polícia Militar.
Estes Oficiais, ainda são a minoria nas corporações militares. No caso de São Paulo representam menos de 10% do oficialato. A grande maioria dos Oficiais da PM ingressou na Escola de Oficiais enquanto ainda civis, sem que nunca tivessem sido policiais, neste caso, o curso tem duração de quatro anos com aulas teóricas e práticas, além de intenso treinamento.
Já os Oficiais do CHQAO, enquanto praças (Soldado, Cabo e Sargento) para prestarem o concurso tiveram avaliação de sua vida profissional com exigência de conduta ilibada aprovada pela própria Corporação para que pudessem se inscrever e prestar o concurso para o Curso de Habilitação. Os requisitos legais para a inscrição ao concurso são: “estar pelo menos no comportamento bom; não estar: condenado a pena de suspensão do cargo ou função e não estar cumprindo sentença condenatória; além de estar apto em inspeção de saúde”[2], dentre outros. Mas o que significa isto? Simples, o policial deve ter trabalhado como soldado, cabo e sargento no serviço operacional (policiamento, bombeiro, rodoviária, cavalaria, choque, etc.), demonstrando equilíbrio profissional e capacitação suficientes a que sua conduta não lhe tenha gerado punições administrativas que lhe tirem o comportamento classificado como "bom" pelo Regulamento Disciplinar da Polícia Militar.
Os Oficiais do CH QAO são Comandantes experientes e conhecedores das agruras do serviço policial com percepção prática do que sente cada policial na ponta da linha, posto que viveram a experiência do subordinado na rua, como condição de ingresso ao Oficialato. A experiência de praça policial no serviço operacional e administrativo da Corporação lhes dá consequentemente a maturidade necessária para uma melhor compreensão das ocorrências policiais, permitindo-lhes decisões mais apropriadas para dada evento. Também, deu-lhes a capacidade de melhor compreender seus comandados conquistando o respeito destes pela postura e experiência. Além do mais se observa nitidamente a lealdade para com a Instituição Policial e seus Comandantes.
Este talvez seja o embrião da "carreira única" na Polícia brasileira, policiais que ingressem na base da pirâmide. Que sejam obrigados a viver a experiência real do serviço como praças (soldados a sargento) e, estando dentro dos critérios de avaliação e desempenho, poderiam galgar os postos superiores através de concursos internos, assim evitar-se-iam muitos desvios de conduta que somente são detectados no efetivo trabalho de rua.
É bom salientar que um possível desvio de conduta de um Oficial no comando e fiscalização de Tropa de policiamento pode trazer sérios danos à Sociedade, bem como prejuízo ao erário pelo alto custo financeiro de formação de um substituto, isto quando após o processo administrativo ou judicial, com todos os direitos constitucionais da ampla defesa, o mesmo venha a ser condenado à perda do posto e patente. Saliente-se ainda que o Curso de Formação de Oficiais, para aqueles que são oriundos do mundo civil, tem duração de quatro anos e o Estado paga salário, uniforme, alimentação e alojamento. À evidência, somente o trabalho policial de rua é que vai "testar" a conduta e índole do ser humano para tão nobre missão.
Apesar da excelente formação acadêmica dos Oficiais que ingressam diretamente na Polícia Militar (não foram praças), com treinamentos e policiamento através do Batalhão Acadêmico, onde a atuação ocorre com alunos cumprindo tarefas que seriam dos praças (soldados, cabos e sargento), ainda não os expõe ao efetivo comando de policiais antigos e experientes que podem, excepcionalmente, apresentar desvios de contuda não perceptível ao neófito de polícia. Assim acabam, na grande maioria das vezes, por aprender com os policiais mais antigos e até subordinados o tirocínio policial, somente quando já são comandantes. Este ciclo pode ter funcionado no passado, porém, já há alguns anos, com o avanço da tecnologia e "artimanhas" dos criminosos, tornou-se um risco desnecessário para a Sociedade, posto que o crime está cada vez mais organizado e técnico. Na emergência policial, em que os personagens estão todos armados, bandidos na agressão da Sociedade e policiais na sua defesa, no meio do fogo cruzado, urge que os profissionais responsáveis pelo comando tenham vivência prática da atividade policial e muito conhecimento técnico acadêmico, para que possam efetivamente liderar a tropa e solucionar o problema de maneira mais adequada possível.
Malgrado tudo o exposto acima, parece que em São Paulo, os Oficiais do Chacal, que têm experiência policial de rua e de serviços de bombeiros, por força de norma interna não podem mais comandar a tropa de policiamento. Às autoridades e à Sociedade, cabe a reflexão!

Autor: Nilton Monte - Advogado, especialista em Direito Público.

[1] BUENO, Francisco da Silveira. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. FENAME Fundação Nacional do Material Escolar. Rio de Janeiro: 1979. [2] SÃO PAULO. Lei Complementar n.° 419, de 25 de outubro de 1985. Artigo 7.°.

5 comentários:

  1. É só uma questão de tempo para as coisas mudarem

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  2. Saudações "Chacalenses"

    O ilustre amigo e colega de turma abordou o assunto da cultura "chacalense" com muita propriedade. Uso o termo "chacalense" por que é assim que saúdo os colegas do QAO ou para aqueles que aspiram fazer o CH QAO. No princípio alguns ficavam chocados e ofendidos com o termo "Oficial do CHACAL". Confesso que nunca me incomodei com isso. Até brincava comisso. Acredito que tal cognome não influenciou negativamente na origem dos referidos oficiais, posto que, no decorrer dos anos tais profissionais se revelaram eficientes e eficazes na consecussão das missões policiais militares. Penso que a nova matriz organizacional pecou em restringir tais Oficiais de comandarem Pelotões e Companhias ou mesmo comandarem UOp/PM. Concordo com o colega: quem perde é a sociedade, pelas razões já aduzidas.
    Quanto aos Oficiais QOPM a quem eu trato respeitosamente de "Oficiais Qolinos", procuro sempre nivelá-los por cima. Conheci e conheço excelentes Oficiais daquele Quadro. Quero salientar aqui que fiz parte do corpo docente da APMBB por 04 anos e no CFO na cadeira de Salvamento. Fui indicado e muito bem recomendado por um grande amigo "Qolino" (creio que hoje é Ten Cel) que sabiamente farejou minha capacidade em formar comandantes. Quero aqui deixar registrado que durante os anos em que lecionei naquela casa de ensino deparei-me com pessoas interessantes e de bom convívio. Procurei colocar toda minha experiência de comando nas aulas que preparava, de modo que a cada operação prática de Salvamento, determinava um Aluno Oficial para comandar os demais colegas e a gerenciar as supostas crises. Tive o prazer de ver garotos e garotas praticarem o mister da liderança com galhardia e denodo. Lembro-me que numa determinada operação de resgate de vítima em poço lá pela área da 4a. Companhia escalei uma garota entre os alunos, pequenina, franzina e de voz soprano para comandar os demais marmanjos, muitos deles de grande estatura. Ela, tímida, quase não esboçava reação. Por conta disso, lá do fundo do poço com uma suposta vítima eu gritei: Não estou ouvindo sua voz, jovem! A operação está sob sua responsabilidade! Você já conhece a técnica e a tática para resolver esta crise, portanto, apareça TENENTE! A menina começou a coordenar a operação no início meio tímida, mas depois com desenvoltura seguiu todos os passos sendo que eu e a vítima fomos resgatados do poço. Hoje, caros amigos, esta garota é uma das ótimas Oficiais do Corpo de Bombeiros. Talvez seja Cap PM. Há outro caso de um outro Oficial que hoje é piloto do GRPAe, que na época era um daqueles Cadetes que prometiam ser um grande comandante. Um dia ele me confidenciou que após uma aula minha também de resgate de vítima em poço, eu dizia: Tomem conta da situação! E para isso eu gritava: O poço é meu! Mostrando que a boa tática previa o desmoronamento ou desabamento das bordas e portanto, e o comandante da operação tinha que afastar todos daquele perigo. Na ocasião em que me contou, demos boas risadas, mas concluímos que a voz de comando na hora certa evita muitos disabores.
    Meus caros, não quero me alongar, mas penso que a sociedade perde por não integrar ao Corpo Docente da APMBB mais "Oficiais Chacalenses". Fui muito feliz na Casa-mãe por onde entro e faço questão de passar entre as colunas Miguel Costa e Salgado e ir cumprimentar o Comandante. Assim, estimados amigos, me despeço dizendo que sou um Oficial plenamente realizado. Penso que enquanto nos discriminarmos, enquanto nos dividirmos, perdemos todos!
    Somos uma força ímpar! Cada um com sua origem!

    Um forte abraço a todos!

    Somos nós os audazes Chacalenses e Qolinos!

    Cap Res PM EVERALDO PEREIRA E SILVA (chacalense com muito orgulho)

    Deus seja louvado por permitir uma carreira tão abençoada!

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  3. Caro Monte, parabéns pela iniciativa.
    O assunto é tabu nos meios policiais militares, mas é necessário analisá-lo sob a ótica do bom senso.
    Somos colegas de turma, nós e o Everaldo.
    Saimos de nossas casas aprovados que fomos num dos mais difíceis concursos já realizados no âmbito da Polícia Militar.
    Nossa ida para a Academia do Barro Branco teve como móvel, em primeiro lugar, nosso amor à gloriosa Polícia Militar do Estado de São Paulo. Éramos diferentes, fôramos aprovados num certame que exigiu de nós provas inequívocas de conhecimento profissional. Lá fomos recebidos com desconfiança, com um certo desdém, mas merecíamos o lugar. Éramos sargentos, na sua esmagadora maioria bacharéis em Direito, simplesmente os melhores do Estado, a elite da polícia paulista e precisávamos fazer jus ao motivo de nossa presença na Casa Mãe.
    Sim, Casa Mãe, pois marchávamos no pátio, concorríamos às escalas de guarda, independentemente de nos tratarem como verdadeiros intrusos. Merecíamos estar lá, merecíamos o lugar, aprovados que fomos com louvor. Formados, de lá fomos reintegrados ao efetivo de nossas antigas unidades e, agora mais do que nunca, precisávamos provar o nosso valor. E o fizemos. Fomos destacados para exercer, principalmente, a função de Oficiais de Justiça e Disciplina, Comandantes de Força Patrulha e outras atividades de bombeiros, policiamento de choque, policiamento florestal etc. Na reserva, infelizmente, vemos que os oficiais do quadro já não podem exercer certas atividades, as quais seriam privativas de oficiais de outro quadro. Ora, na Academia do Barro Branco, de onde saí oficial, uma das coisas que mais me marcou foi ter constatado que o sangue humano é vermelho, e não possui outras tonalidades.
    O que saltava aos olhos era a dificuldade com que alguns dos instrutores nos ministravam suas aulas, pois lidavam com profissionais, não saímos da vida civil e ali estávamos ávidos de novos conhecimentos. Lembro-me de que alguns dos instrutores foram alunos daqueles que agora estavam no banco para aprender.
    Monte, como você mesmo observa, entendo ser, para a Polícia Militar e para o próprio Estado, mais viável e coerente pinçar do seu próprio meio aqueles que serão os futuros comandantes. Tenho plena certeza que os desvios de conduta que vemos hoje, como advogados que somos, militantes, você no Guarujá e eu em Santos e São Vicente, principalmente no ramo do Direito Penal Militar, Processual Penal Militar e Administrativo Disciplinar, seriam abolidos em boa parte da Milícia Bandeirante. Entendo que o oficial oriundo da tropa vai para a Academia pelo amor à profissão, pela vibração. Já vai preparado, sem vícios, mesmo a contragosto daqueles que pensam diversamente. Vai aperfeiçoar os seus conhecimentos. E acho que um ano basta, desde que bem preparado como soldado, bem preparado como cabo e bem preparado como sargento. Essa a carreira única. De soldado a coronel, sem tolher o oficial de exercer todas as atividades que lhe garantem a Carta Patente que recebemos, com a chancela do Governador. Me desculpem, mas não gosto e nunca apreciei quando se referem ao curso que fizemos como Chacal. Sempre preferi, e ainda o faço, chamá-lo de CH, Curso de Habilitação.
    Saudações, Monte, advogado brilhante. Saudações Everaldo, juizes militares que fomos na gloriosa 3ªAuditoria do Tribunal de Justiça Militar.
    Saudades do Anísio e do Adonai.
    Ousar lutar, ousar vencer!!!

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    1. Caríssimo Cap PM Ruas, meu nome é Lúcio e sou GCM do interior de São Paulo: Cerquilho. Por gentileza, se puder ou indicar uma forma de ser feita: como poderia conseguir uma cópia ou modela do regime ou lei que estabelece o sistema CHACAL da PM?

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  4. Penso que esta desigualdade esta com os dias contados, pois as decisões na PM estão sendo tomadas Politicamente para agradar a Sociedade e quando este assunto vier a tona, os Oficiais QAOPM voltarão a comandar pelotões e Cias.

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